terça-feira, 2 de outubro de 2012

Cantigas de MALDIZER



        As cantigas de maldizer embora sejam muito semelhantes às de escárnio, trazem como principal diferença a crítica direta, muitas palavras de baixo calão são utilizadas, existe a grosseria, ironia e o uso de termos pejorativos, a revelação do nome da pessoa satirizada é revelado com mais frequência além de ser uma poesia geralmente direcionada a nobres, políticos, pessoas pretenciosas e até cristãos da época.


O bela dama gorda, que anda pelos bosques a noite

O que será que queres com essas saias curtas?
Estarás a procura de um pretendente?
Ou apenas de uma diversão passageira
Com rapazes vorazes para mostrar suas forças.
Ó bela dona gorda, por que fazes isso?
Provocar o desejo alheio e depois renunciar
O que pretendes fazer agora, com sua fome enorme?
Engolir o mundo e soltar os pedaços ao longe?
Não sabes responder, pois suas formas globais não deixam.
És a o barril de vinho da taverna, onde todos bebem
Sem pudor nenhum de mostrar suas vergonhas ao dia
Dá ao peito a quem é de direito, a não foges a luta
É bela dama feia e gorda, nunca irás casar
Nem com o belo cavaleiro de roupas azuis
Que faz de sua espada, a faca perfeita
Nos dias de festas e as carnes de javali.
Não satisfaz suas vontades pervertidas e maldosas
És apedrejadas a cada canto que passas
Sua reputação não é das melhores, nem exemplo
O bela dama feia, gorda e velha, digna de pena
Não se maltrate assim, não é preciso fazer isso
Deixa sua avantajada cabeça pensar
Ou já perdestes o dom de pensar?
Achas que não, mas é o que parece , bela gorda
Deixe os anos passarem e sua pele ficar mas argilosa
Perceberás que não poderá desfrutar das alegrias
Que antes fazias e gozavas em demasiada euforia
Sua época de outono chegou e o inverno logo chegará
Com seu corpo imenso e pesado no mármore gelado
É bela dama gorda, sente-se e tome um café.


Tratando o mesmo tema  temos a música “Mulher Feia”  de Hamilton e Arnaldo

                                                                     Mulher Feia

eu conheço mulher feia pelo jeito dela andar 
requebra pra lá, requebra pra cá 
sobra muito calcanhar
o chassi tá meio torto 
tá mal de funilaria 
mulher feia é ciumenta 
e briga quase todo dia


olha o cabelo que ela não penteia 
sapateia mulher feia 
olha o joelho furando a meia 
sapateia mulher feia
olha o marido chegando a teia 
sapateia mulher feia


se ela vai fazer a feira 

o feirante não se engana
quer ser bacana 
ela tem pouca grana
quer levar muita banana
mais se alguem de uma risada
ela vira jararaca 
fala até de mete bala
quando não puxa da faca


      Ambas falam a respeito de uma mulher, neste caso não citam nomes, porém utilizam ironia e deboche no momento de descrevê-las.

     Concluindo, embora o trovadorismo tenha predominado na era medieval, suas impressões estão presentes até hoje. Muitas canções trazem em seus traços os gêneros da época e fazem referência a grandes poemas e autores do trovadorismo.

Cantigas de ESCÁRNIO


    As cantigas de escárnio e maldizer trazem à era medieval as primeiras experiências satíricas da literatura portuguesa, carregadas de críticas e observações a respeito de todos os  aspectos culturais e morais da sociedade, elas se destacam por deixar aflorar os mais diversos sentimentos, fugindo dos modelos impostos que muitas vezes engessavam a poesia na época.
      Tais cantigas fazem uma critica indireta à pessoa satirizada; apesar da “zombaria” o alvo de tal crítica não e  revelado e os termos pejorativos e agressivos não são utilizados com tanta frequência.
     Já na literatura brasileira temos Gregório de Matos como um grande autor no gênero satírico, sendo denominado “boca do inferno” por não medir palavras irônicas para expressar seus sentimentos e inconformidades, analisemos uma de suas cantigas:

A cada canto um grande conselheiro.
que nos quer governar cabana, e vinha,
não sabem governar sua cozinha,
e podem governar o mundo inteiro.

Em cada porta um frequentado olheiro,
que a vida do vizinho, e da vizinha
pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha,
para a levar à Praça, e ao Terreiro.

Muitos mulatos desavergonhados,
trazidos pelos pés os homens nobres,
posta nas palmas toda a picardia.

Estupendas usuras nos mercados,
todos, os que não furtam, muito pobres,
e eis aqui a cidade da Bahia.

      Atualmente têm se destacado  Juca Chavez como um dos autores contemporâneos de sátiras e cantigas de escárnio:


Atraso Ou Solução
Juca Chaves

Já meia hora atrasada
o que em ti é natural.
Até pareces, querida,
com os nossos trens da central
isto ainda acaba mal.

Não brinques assim comigo,
com este teu vem ou não vem,
não faças de estação meu coração,
nem faças o teu de trem, tá bem?

Ai, ai, amor, ai que dor
eu sinto o ar esperar
até a chuva já veio,
mas não vens, ai, por que?
quem me dera, minha amada
se tu fostes viatura
cá da nossa prefeitura
pois te dava uma pedrada
muito bem dada

      Podemos perceber que ambos fazem críticas, um a mulher e outro a uma cidade, porém o
gênero está presente nas cantigas o que destaca o força da sátira desde a época medieval.

Cantigas de AMIGO

      Nas cantigas de amigo, sabemos, que o trovador assume o eu-lírico feminino, ou seja, é a vez da mulher, que expressa, de forma mais simples, os seus sentimentos,  que  sofre por sentir saudade do amigo (namorado).                        

      Muitas características trovadorescas resistiram ao tempo e chegaram até nós presentes nas músicas contemporâneas. Na música e a lírica de Chico Buarque percebe-se uma importante característica das cantigas de amigo medievais, quanto à estrutura, em “Mulher de Atenas”.


“Mulher de Atenas”:

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Vivem pro seus maridos, orgulho e raça de Atenas
Quando amadas se perfumam
Suas melenas
Quando fustigadas não choram
Se ajoelham, pedem, imploram
Mais duas penas
Cadenas

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Sofrem por seus maridos, poder e força de Atenas
Quando eles embarcam, soldados
Elas tecem longos bordados
Mil quarentenas
E quando eles voltam sedentos
Querem arrancar violentos
Carícias plenas
Obscenas

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Despem-se pros maridos, bravos guerreiros de Atenas
Quando eles se entopem de vinho
Costumam buscar o carinho
De outras falenas
Mas no fim da noite, aos pedaços
Quase sempre voltam pros braços
De suas pequenas
Helenas

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Geram pros seus maridos os novos filhos de Atenas
Elas não têm gosto ou vontade
Nem defeito nem qualidade
Têm medo apenas
Não têm sonhos, só têm presságios
Lindas serenas
Morenas

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Temem por seus maridos, heróis e amantes de Atenas
As jovens viúvas marcadas
Não fazem cenas
Vestem-se de negro se encolhem
Às suas novenas
Serenas

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Secam por seus maridos, orgulho e raça de Atenas
     Constatamos no seguinte refrão, “Atrás da porta”, do mesmo autor, letra de música e estrutura usada nas cantigas medievais. O paralelismo é presente e semelhante ao das cantigas. Vejamos:




“Quando olhaste bem nos olhos meus
E o teu olhar era de adeus
Juro que não acreditei
Eu te estranhei, me debrucei
E me arrastei e te arranhei”

   

          Com certeza as letras e músicas de Chico Buarque não trazem um eu-lírico feminino, onde, sabemos que a cantiga de amigo é um trovador que assume a posição feminina. No entanto, apresenta traços medievais.
         Podemos da mesma forma comparar a cantiga” Ondas do mar de vigo” de Martim Codax com a música “ Sou eu  assim sem você” .




Cantiga de Amigo – Martim Codax         
(Abdullah / Caca Moraes)

Ondas do mar de Vigo,
Acaso vistes meu amigo? Queira Deus que ele venha cedo!

Ondas do mar agitado
Acaso vistes meu amado?
Queira Deus que ele venha cedo!

Acaso vistes meu amigo
Aquele por quem suspiro?
Queira Deus que ele venha cedo!

Acaso vistes meu amado,
Por quem tenho grande cuidado (preocupado)?
Queira Deus que ele venha cedo!



FICO ASSIM SEM VOCÊ
-Claudinho e Buchecha


Avião sem asa,
Fogueira sem brasa,
Sou eu assim, sem você
Futebol sem bola,
Piu-Piu sem Frajola,
Sou eu assim, sem você...

Porque é que tem que ser assim?
Se o meu desejo não tem fim
Eu te quero a todo instante
Nem mil auto-falantes
Vão poder falar por mim...

[...]Eu não existo longe de você
E a solidão é o meu pior castigo
Eu conto as horas pra poder te ver,
Mas o relógio tá de mal comigo...

        Concluo ressaltando que, letras de músicas que falam dos mesmos temas das cantigas medievais são decoradas pelos fãs dos cantores atuais. São composições sentimentais que falam de amores não correspondidos ou de saudades, são tocadas diariamente, muitas vezes pelas emissoras de rádio.

Cantigas de AMOR




          O sentimento oriundo da submissão entre o servo e o senhor feudal transformou-se no que chamamos de vassalagem amorosa, simbolizando assim, um amor cortês. O amante vive sempre em estado de sofrimento, também chamado de coita, visto que não é correspondido. Neste tipo de cantiga o trovador destaca todas as qualidades da mulher amada, colocando-se numa posição inferior (de vassalo) a ela.
          As cantigas de amor reproduzem o sistema hierárquico na época do Feudalismo, pois o trovador passa a ser o vassalo da amada (suserana) e espera receber um benefício em troca de seus “serviços” (as trovas, o amor dispensado, sofrimento pelo amor não correspondido).Ainda assim dedica à mulher amada (senhor) fidelidade, respeito e submissão. Nesse cenário, a mulher é tida como um ser inatingível, à qual o cavaleiro deseja servir como vassalo; ele tenta de todas as formas a convencer  da necessidade que ele tem de vê-la e tê-la ao seu lado.
       Temos como exemplo a catiga da Ribeirinha tida como uma das cantigas mais antigas, de que se tem registro, escrita  por Paio Soares de Taveirós por volta de 1189.

Cantiga da Ribeirinha

No mundo non me sei parelha,
entre me for como me vai,
Cá já moiro por vós, e - ai!
Mia senhor branca e vermelha.
Queredes que vos retraya
Quando vos eu vi em saya!
Mau dia me levantei,
Que vos enton non vi fea!
E, mia senhor, desdaqueldi, ai!
Me foi a mi mui mal,
E vós, filha de don Paai
Moniz, e bem vos semelha
Dhaver eu por vós guarvaia,
Pois eu, mia senhor, dalfaia
Nunca de vós houve nem hei
Valia dua correa.
                                
  Paio Soares de Taveirós




Vocabulário:
Nom me sei parelha: não conheço ninguém igual a mim.
Mentre: enquanto.
Ca: pois.
Branca e vermelha: a cor branca da pele, contrastando com o vermelho do rosto, rosada.
Retraya: descreva, pinte, retrate.
En saya: na intimidade; sem manto.
Que: pois.
Des: desde.
Semelha: parece.
D’haver eu por vós: que eu vos cubra.
Guarvaya: manto vermelho que geralmente é usado pela nobreza.


Essa cantiga de Afonso Fernandes mostra algumas características de incorrespondência amorosa:

“Senhora minha, desde que vos vi,
Lutei para ocultar esta paixão
Que me tomou inteiro o coração;
Mas não o posso mais e decidi
Que saibam todos o meu grande amor,
a tristeza que tenho, a imensa dor
que sofro desde o dia em que vos vi.”

        Nessa 1ª estrofe o trovador expressa o que sente em forma de súplica, a mulher que ele conheceu está sendo idealizada e assim ele se declara a ela, ele expõe os argumentos que justificam sua desgraça.
        Atualmente são comuns as çanções que trazem em suas letras a não correspondência amorosa, o figura do homem que se apaixona e dedica sua vida em prol da mulher amada.As refer~encias a vassalagem já não são tão comuns, orém a idealização da mulher e a busca pr argumentos que provem o amor e a necessidade de ambos ficarem juntos é muito pertinente em muitas canções
      Temos como exemplo uma música do cantor Luan Santana, que é um sucesso nacional e têm idéias e estruturas parecidas com a da cantiga de amor acima:

Amar Não É Pecado

Eu não sei

De onde vem
Essa força que me leva pra você
Eu só sei que faz bem
Mas confesso que no fundo eu duvidei
Tive medo, e em segredo
Guardei o sentimento e me sufoquei
Mas agora, é a hora
Eu vou gritar pra todo mundo de uma vez

Eu tô apaixonado
Eu tô contando tudo
E não tô nem ligando pro que vão dizer
Amar não é pecado
E se eu tiver errado
Que se dane o mundo
Eu só quero você

Podemos fazer a mesma comparação entre a Canção de amor de D Dinis e a música "Pedido de casamento"

Canção de Amor – D. Dinis

Quero à moda provençal
fazer agora um cantar de amor,
e quererei muito aí louvar minha senhora 
a quem honra nem formosura não faltam
nem bondade; e mais vos direi sobre ela:
Deus a fez tão cheia de qualidades
que ela mais que todas do mundo.
Pois Deus quis fazer minha senhora de tal modo
quando a fez, que a fez conhecedora de todo bem e de muito grande valor,
e além de tudo isto é muito sociável
quando deve; também lhe deu bom senso,
e desde então lhe fez pouco bem
impedindo que nenhuma outra fosse igual a ela.
Porque em minha senhora nunca Deus pôs mal,
mas pôs nela honra e beleza e mérito
e capacidade de falar bem, e de rir melhor
que outra mulher também é muito leal
e por isto não sei hoje quem
possa cabalmente falar no seu próprio bem
pois não há outro bem, para além do seu.


Convite de casamento
Composição: Lourenço e Lourival

Ao receber o convite do seu casamento
Desmoronou meu castelo de sonhos ao vento
Nao pude crer que de você partiu essa maldade
Será que esqueceu que quem te, mas sou eu
Meu amor é verdade.
Eu lhe perdoo por dizer que seu pai é o culpado
Pois ele foi sempre contra o nosso noivado
E deu sua mão para outro no gesto apressado
Para nao permitir fosse ser mais feliz ao meu lado
Sem seu amor sou o homem mais pobre da terra
Sem carinho a vida se encerra
Sem seus beijos nao posso viver
O seu amor nesta vida é tudo que quero
Acredite meu bem sou sincero
Sem você sou capaz de morrer

Trovadorismo



                                                        
        O trovadorismo surge no período medieval, por volta do século XII onde se iniciam as primeiras manifestações literárias. O termo trovadorismo faz referência ao trovador que faziam suas rimas (trovas) e a transmitiam oralmente.

       Tais cantigas eram criadas no gênero lírico e satírico, e estavam sempre muito ligadas à musicalidade; vários escritores se destacaram neste período, que chegam ao século XIV com suas críticas e também suas idealizações amorosas.
      O amor platônico ganha grande ênfase e o sofrimento do eu-lírico muitas vezes faz referência à vassalagem.
       Entre as cantias no gênero lírico podemos destacar as de "amor" e "amigo", já no gênero satírico destacamos as cantigas de "maldizer" e "escárnio".