segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Como seria o Auto da Barca do Inferno se Gil Vicente o escrevesse hoje?

O auto da Barca do Inferno traz típicos personagens presentes em nossa sociedade, hoje eles apresentam outros renomados de forma diferente, porém suas características são as mesmas ou no mínimo semelhantes as dos ilustres personagens criados por Gil Vicente.


Refletindo sobre as figuras sociais que poderiam estar presentes caso o Auto fosse reescrito com certeza não poderíamos deixar de considerar os políticos, que estão sempre presentes na mídia trazendo a tona escândalos que mostram claramente uma índole gananciosa, enganadora e egoísta.
Os agiotas continuam presentes em nossas sociedades, mas agora os vemos não como meros indivíduos e sim como empresas que focam em investimentos e empréstimos a juros absurdos e o banco. Uma figura que poderia representa-los seria um corretor da bolsa de valores, que trabalha o dia todo em busca de lucros e riqueza, dão ao dinheiro um valor imenso de forma que se tornam materialistas, gananciosos e enganadores.
O padre, presente no Auto poderia ser substituído pelos pastores, que atualmente são vistos em muitos escândalos sendo cada vez mais expostos na mídia. Assim como o frade eles muitas vezes são visto com várias mulheres, são acusados por uma multidão de pecados, entre eles os de roubo de dízimos e ofertas, igrejas que funcionam como fachada para lavagem de dinheiro, exploração sexual e uma série de enganações provenientes destes homens intitulados “servos de Deus”.
As feiticeiras hoje em dia não se mostram tão influentes como antigamente, as que existem muitas vezes não se expõem muito. Elas poderiam ser representadas pelas seitas que fazem promessas, como as de que é possível se comunicar com mortos, orações que trazem cura completa em segundos, campanhas da prosperidade e muitas outras que visam seduzir, enganar e explorar pessoas. Os donos de prostíbulos hoje são os temidos cafetões, que criam e mantêm as prostitutas jugando serem donos de seus corpos e exigindo que usem todas as armas que dispõem para que seu lucro seja cada vez maior.
Os cavaleiros da atualidade poderiam ser representados pelas pessoas que lutam por seus direitos, por maiores condições socioeconômicas, por igualdade, pelo meio ambientes e por uma sociedade mais justa onde todos possam se desenvolver e usufruir de seus direitos como cidadãos. Não podemos dizer que essas pessoas são mais dignas do céu que as outras apresentadas neste texto, ou que elas não cometem pecados, apenas podemos dizer que elas lutam por causas nobres e muitas vezes em prol do benefício de outras.
Todas as figuras sociais presentes o Auto de Gil Vicente carregam até hoje um sentido que não precisa ser necessariamente contextualizados, elas ainda se encontram presentes em nossa sociedade e possuem características que nos fazem pensar em outras pessoas e principalmente em nós mesmos, qual tem sido nossa postura, nossa ideologia, quais são os nossos objetivos e o que temos feito para alcançá-los.

Resumo da obra: "O Auto da barca do Inferno"

O “Auto da Barca do Inferno” foi apresentado pela primeira vez em 1517 e é uma obra do português Gil Vicente. Ele é um auto de moralidade, onde critica os costumes e comportamentos dos indivíduos daquela época. Ele representa o juízo final, o Anjo de forma irônica e o Diabo – Juiz de uma forma sedutora.  O cenário é um porto, onde encontramos duas barcas: uma que conduz a glória, comandada por um anjo; a outra é a do inferno, comandada pelo diabo.
Quando as pessoas morrem, elas são obrigadas a ir a esse lugar e podemos perceber que todas elas acabam indo primeiramente a barca do inferno, sendo condenadas pelos seus atos e julgadas pelo diabo e pelo anjo.
O primeiro a entrar na barca é Figaldo acompanhado por um pajem, que carrega uma cadeira, que simboliza seu status social. Ele representa a nobreza e é condenado à barca do inferno por ter levado uma vida cheia de pecados, luxuria e tirania. Primeiramente ele zomba do Diabo e diz que seu destino não era aquele, pois na outra vida tinha pessoas rezando por ele. Então ele revolve ir à barca da glória e nela o Anjo o despreza dizendo que: “Não se embarca tirania/ neste batel divinal” (84-85), mas isso não convence Figaldo, que insiste em ir para a barca da glória, mas o Anjo diz que a barca da glória é pequena para o tamanho da sua vaidade.
Frustrado o Figaldo caminha para a barca do inferno, mas pede ao Diabo para deixá-lo ver sua amada, pois pensa que ela sente muito sua falta, mas o Diabo fala que a mulher que ele pensava que o amava, estava apenas enganando-o. Em relação ao pajem, o Diabo manda-o embora, pois não é sua hora.
O segundo personagem é Onzeneiro (juros de 11%), que é um agiota, que traz consigo uma bolsa, que seria usada para comprar o paraíso. Ele não quis embarcar na barca do inferno, então se dirige a barca da glória. Mas ele não pode embarcar, pois foi muito ganancioso, avarento e enganava muitas pessoas. Ele acaba indo para a barca do inferno, porém pede ao Diabo para ir buscar seu dinheiro, mas o Diabo não deixa buscar tal riqueza explorada.
O quinto a chegar é o Frade com sua amante que só tem papel teatral na obra, assim como o pajem. Ele chega cantarolando e dançando com sua amada e trazia consigo uma espada, um capacete e um escudo. Ele é condenado a ir para a barca do inferno, pois seu comportamento durante a vida não era digno de um padre, pois era pecador, tinha varias mulheres e usava armas, um objeto que o clero não podia ter e usar.
A sexta a chegar é Brísida Vaz, dona de um prostibulo e uma feiticeira. Ela enganava vários homens dizendo que as meninas que ela prostituía eram virgens. Ela tenta convencer o Anjo a levá-la na barca, mas ela é condenada por seus atos de feitiçaria e prostituição.
Os próximos são o corregedor e o procurador que representam o judiciário, onde trazem livros e processos, mostrando seu materialismo. O Diabo os convida a entrarem, porém eles começam a suas defesas e vão à barca da glória. Lá eles são condenados à barca do inferno por manipularem a justiça em beneficio próprio.
Por fim, chegam à barca quatro cavaleiros que lutaram e morreram em uma guerra santa, onde defendiam o cristianismo. Eles são recebidos pelo anjo e perdoados pelos seus atos.
Como podemos perceber está obra é uma sátira que serve para nos mostrar a verdade na sociedade de Gil Vicente e se pararmos para pensar, não está longe do nosso tempo (2012). Os personagens possuem características típicas dos seus verdadeiros representantes e aqueles que foram condenados ao inferno sempre trazem consigo objetos que representam seus pecados, seu apego à vida e ao materialismo.